quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Entrevista de Mestre Eugénio Macedo, artista multifacetado e autor do "ferro" Soito (S8), ao Semanário Nova Guarda. Edição de 10-09-2008

Escultor reside actualmente em Figueira de Castelo Rodrigo Eugénio Macedo tem milhares de obras espalhadas pelo País. Eugénio Macedo, escultor, passa a vida entre Portugal e o Brasil, mas no nosso País, escolheu o Sabugal e Figueira de Castelo Rodrigo como locais centrais na sua vida. No primeiro, o Soito foi ponto de paragem por uma avaria no carro, que o deixou nesta terra durante alguns anos. Agora a residir em Figueira, justifica-se dizendo que ali encontra tudo o que precisa para a sua profissão. Nova Guarda (NG) – Quem é o Eugénio Macedo? Eugénio Macedo (EM) – Um amigo meu disse-me que eu sou uma pessoa complicadíssima. José Manuel, filho de Cristóvão de Aguiar me disse que eu sou uma daquelas pessoas muito complicadas. Não sei quem é o Eugénio. NG – É uma pessoa que vive a arte? EM – A arte para mim é o quê? Eu sou formado em publicidade e vim para Portugal para trabalhar para a TVI, como câmara e cenógrafo, mas desisti da ideia. Já passei por vários processos. A arte para mim é um acidente de percurso. Não me considero um artista. NG – Onde é que nasceu? EM – Outra pergunta complicada. A minha certidão de nascimento diz que foi em Angola., mas não. O meu pai era um dos indivíduos que fazia parte do Partido Comunista e ele foi dado como arquivo morto. Boa parte dos documentos desapareceram. A minha certidão de nascimento diz que é Angola, mas eu nem sei onde é que é Angola. Sei que é um país na África. Eu sou português. NG – Como é que se classifica enquanto escultor? EM – Sempre como uma pessoa criativa. Como me formei em publicidade e design, depois desenvolvi então a fotografia, no Rio de Janeiro, na Associação Carioca de Artes Plásticas, onde fiz alguns trabalhos lá. Eu vim fazer umas férias em direcção a Espanha, o meu carro avariou-se ali no Soito, numa época de festas. Não havia mecânicos para concertar o carro e fiquei por lá. Olhei para muitos lados e só via pedra, e escolhi a pedra. Foi quando fiz aquele touro que está em frente à Praça, no Soito. Mas foi um percurso acidental, não foi nada premeditado. NG – Foi ai que começou? EM – Foi, foi assim que me pegaram. Eu não peguei a arte, a arte é que me pegou. Eu não considero aquilo que eu faço uma arte, considero uma capacidade extra. NG – Há quanto tempo é escultor? EM – Desde os 14 anos. NG – E ainda se lembra da primeira peça? EM – Lembro. Foi um Cristo feito em cimento. Aquilo não foi propriamente uma peça. Foi um ensaio. Daí descobri que tinha vocação para fazer aquilo. Comecei-me a dedicar e trabalhei para a Globo, a fazer cenários, e fui descobrindo materiais e outras maneiras. Trabalhei muitas vezes para escolas de samba, para fazer os carros alegóricos e fui vendo que tinha talento para manipular os materiais, mas nunca me considerei um escultor. NG – Mas gosta de ser escultor? EM – Se colocares na balança são mais os desagrados que os agrados. Pelo desconforto de trabalhar este tipo de material. É insalubre e muitas vezes não nos permite ir até onde a gente quer, ora por questões orçamentais, ora porque as pessoas não entendem muito bem. Não vejo com muitas vantagens ter este tipo de actividade. NG – Quando é que se decidiu vir para Figueira de Castelo Rodrigo? EM – Ainda não me decidi. Aquilo que faltava aqui, em Figueira de Castelo Rodrigo, era um aeroporto, para ficar completo. Ainda não decidi ficar. NG – Faz a vida entre Brasil e Portugal. Onde gosta de estar? EM – Gosto mais da Raia, principalmente do sabugal. Aqui é mais por causa do comodismo. Tenho tudo o que preciso aqui à mão. Não me sinto mal em estar em Figueira mas não estou entre o céu e o paraíso. Adapto-me, pois permite estar perto das matérias-primas quase todas. Sinto-me bem, mas para ter condições de criar, não. NG – Qual foi o trabalho que mais gostou de fazer? EM – Nenhum. Ainda não tenho a obra-prima. Mas espero lá chegar um dia. NG – Mas alguns dos que já fez identificam-se consigo? EM – Nenhum. Há muitos em que as pessoas já vêm com as ideia pré-concebidas. Entro no desafio de dizer que é possível fazer, mas não tem a ver comigo. O maior consumo das obras aqui é da arte sacra. A arte sacra é muito boa e muito bonita quando é em madeira. Em pedra não te permite dar aquela graça, aquele ar angelical na peça. As peças de madeira são de estrema beleza, mais finas, a pedra raramente permite isso. NG – Chateia-o fazer aquilo que as pessoas lhe pedem? EM – Acontece em todas as profissões. Eu costumo dizer que quem vai ao médico não escolhe a doença. Aqui acontece. As pessoas perguntam se dá para fazer isto, se dá para fazer aquilo. Depois a questão económica tem um peso muito grande. NG – Identifica-se com alguma forma de trabalhar a pedra? EM –Hoje quase que não existe uma técnica para esculpir, a ferramenta leva-te quase lá. Eu gosto de trabalhar com o Photoshop e muitas vezes eu desenho aí a peça para ver qual é o efeito que ela vai ter, e dá para brincar com isso. Antes tínhamos de enquadrar no local o efeito que a obra ia dar. Hoje não vejo qualquer desafio. NG – Já houve quem lhe deixasse expressar-se numa obra? EM – É muito raro. Em trinta anos de carreira, apareceram dois ou três clientes que devem ter dito que a criação era da minha responsabilidade. Mas dá gozo trabalhar assim, por dois motivos, fazer jus a esse voto de confiança e depois tentar superar. Mas é raro. São peças muito caras e normalmente as pessoas vêm já com a ideia pré-concebida e não dá para alterar. NG – Mas no final não gosta das peças que faz? EM – Não. Eu acho que quanto menos eu gosto da peça, fico à vontade, porque sei que vai ficar boa para os outros. O meu gosto é estranho. NG – Já está por cá há 15 anos. Por onde tem a sua obra? EM – Não tenho um mapa para isso. Tenho um registo mais completo das obras que tenho, por exemplo, em Espanha, França ou Brasil, do que aqui, em Portugal. Algumas pessoas amigas têm o registo das minhas peças e queria até fazer um livro, mas ainda vai demorar algum tempo. NG – Tem peças por todo o país? EM – Sim. Muito poucas pelo Algarve, mas tenho por todo o país. Onde tenho mais é certamente no distrito da Guarda e de Castelo Branco, mas em particulares, há mais em Lisboa. Obras públicas é mais por aqui. São milhares de peças. NG – Tem ideia de quantas já fez? EM – Passam alguns milhares. Eu tive uns dez anos em que tive um processo criativo muito bom e desenvolvi muito. Desde a pintura até à escultura e fotografia, o que dá muitas obras. NG – Trabalha num ritmo muito acelerado, como consegue? EM – Às vezes consigo fazer três ou quatro peças num só dia. Um amigo meu que colaborou comigo durante algum tempo, quando eu começava a ficar aflito dizia para eu continuar a tirar pedra, que havia de sair alguma coisa e no final ficava sempre alguma coisa. É a mesma coisa que dizer que tenho que ir para Lisboa e apanhar a auto-estrada para o Porto. Tu vais chegar a Lisboa de qualquer maneira, só que a volta é maior. Dentro da obra é a mesma coisa. Tu pensas uma coisa, e ela corre de outra maneira, mas que até facilita e que até fica melhor. É assim, há dias em que consegues fazer três, quatro ou cinco peças por dia. Há outras vezes em que tens dias que não sai nada. NG – Gosta de passar por uma peça e dizer que é sua? EM – Eu digo mas olho para o lado. As pessoas olham e são simpáticas, dizem que ficou bonito, mas eu sei que não era aquilo que eu queria, pois há factores nas obras públicas que limitam muito. É a questão dos orçamentos e quando estamos limitados a um orçamento é complicado de se fazer. NG – Quanto é que já valeu uma obra sua? EM – Bem, houve uma que custou 50 mil euros, feita para a zona do Sabugal. NG – Há alguma peça que gostasse de fazer para caracterizar a Guarda? EM – Tenho, tenho o desenho, de uma peça fantástica, que já fiz aí há uns dez anos, mas não sei se tenho condições para executá-la, ou de a colocar na Guarda, mas tenho-a desenhada. Pode ser que seja possível, um dia. NG – Existem peças, que não as tendo construído, passe por algum sitio e diga, isto ficava bem aqui? EM – Muitas. Eu sonho acordado e por onde eu passo e digo muitas vezes, para mim, que isto ficava bem aqui ou ali. Um artista que seja artista, tem obrigação de mudar mentalidades e alterar o espaço onde vivem. Todos têm essa obrigação mas o artista mais, e ainda há muito para fazer. NG – Como muita da sua obra é pública, a verdade é que as pessoas gostam do seu trabalho? EM – Pois. Toda a gente gosta, todo o mundo aplaude e ninguém diz que não. Eu fico em dúvida. Ou são muito simpáticos ou a minha obra é muito boa. NG – Gosta desta terra? EM – Gosto muito. São pessoas espectaculares. Foi preciso me afastar para ver realmente o valor. Estava muito envolvido e não conseguia fazer um exame, mas são realmente pessoas adoráveis. Ainda não consegui criar um perfil para definir esta gente, mas agradeço o apoio e carinho que todos me dão, com um abraço especial ao Manuel Rasteiro, presidente da Junta do Sabugal, José Manuel Campos, da Junta de Foios, e Octávio Vinhas, de Quadrazais. NG – Não é um homem que se prenda, pois não? EM – Eu tenho medo de fazer a minha sepultura antes do tempo. Não sou contra quem tenha alguma coisa que o prenda, tem a ver com a minha personalidade, que é complicada. Infelizmente não tenho algo que me prenda. Não digo que seja uma coisa boa. NG – O seu futuro passa por Figueira, por Portugal? EM – Vou ser simpático e dizer que não. Isto é uma relação entre Portugal e eu, de amor e ódio. Por: José Paiva

Arquivo do blogue